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Welcome to our publication platform! You can browse and search for stories and samples from all our writers. Thanks to our translators, each story is available in Czech, Dutch, Italian, Polish, Portuguese, Romanian, Serbian, Slovene and Spanish. Throughout the years, this platform is becoming a growing archive of European literature by the future generation of literary artists. We're sharing stories beyond barriers.

Natalya

Assim que soube que o problema era evasão fiscal liguei ao meu  contabilista  ó Zeferino, mas que porra é esta, tu explica-me lá que porra é esta,  disseste-me que tinhas tudo sob controlo, para ignorar as cartas das  finanças que tratavas de tudo, tu explica-me que porra é esta, e à Misé, a quem há apenas dois dias dera um anel de zircónio muito  decente,  temos de devolver a jóia, princesa, depois explico-te  lavei o bucho com dois calmantes e meia garrafa de vodka, estendi-me no  sofá e meti o portátil no chão a vomitar folhas de Excel para que, na  eventualidade de alguém chegar, a minha i...
Written in PT by Valério Romão

Árvore Monstro Menino Árvore

Ainda não sabemos como Óscar comeu a semente, nem descobrimos de  onde a tirou. Temos ainda menos respostas para percebermos como pôde a  árvore crescer-lhe por dentro, germinar a semente sem qualquer  impedimento, disse o médico, na boca do seu estômago, regada somente  pelos sucos biliares do menino. É que aos sete anos, também nos disse o médico, os estômagos funcionam muito bem. O corpo do nosso Óscar —  ainda era o nosso Óscar então — permitiu que a árvore crescesse, que as  raízes se estendessem pelos intestinos e que o tronco se fosse distendendo  esguio, cerimonioso, ao longo do esófag...
Translated from ES to PT by Matias Gomes
Written in ES by Mariana Torres

Uma declaração de dependendência

Recentemente, cruzei-me num churrasco com uma pessoa que tinha  acabado de ter um bebé. O churrasco era a primeira atividade fora de casa  pós-parto. Com o bebé nos braços, confessou o quão dependente se tinha  tornado. Esta palavra fazia-lhe surgir uma expressão de deceção na face, e  contava isto como se de uma confissão se tratasse.  Ela parecia considerar a dependência como uma forma de fracasso. Tal como todos nós, julgo eu.  A dependência é, normalmente, associada a algo fraco e pouco atraente,  quase feio. A independência, por sua vez, é vista como algo forte e atraente,  o objetivo a a...
Translated from NL to PT by Pedro Viegas
Written in NL by Rebekka de Wit

Para não Te Ver

Já sabes que levei os miúdos, as roupas, as coisas do banho, a comida  biológica dividida em pequenas porções dentro de tupperwares de cores  berrantes como as da Benetton, levei também os livros deles, porque de  noite é só pela leitura que consigo convocar o sono do Rogério, e não raras  vezes ele acorda horas depois com um pesadelo a esganar-lhe a maçã-de adão, e eu abraço-o, como te abraçava, Rita, quando fazíamos um ninho  tão perfeito que quem nos visse de cima poderia facilmente confundir-nos  com um daqueles símbolos chineses a preto-e-branco onde se vêem  explicados a imortalidade e o...
Written in PT by Valério Romão

O Sol quando Cai

I  Na manhã de 11 de julho de 1978, parte em direção a Barcelona um camião  com um carregamento de propeno líquido. O camião vem de uma  pequena cidade na Catalunha e é conduzido por um motorista que, no  meio da sua cara brilhante, usa um grosso bigode. Já trabalha há vinte anos  para a mesma empresa, com o mesmo camião, e conhece a rede rodoviária  de Espanha de cor. Para evitar portagens, escolhe sempre as estradas  interiores.  As botijas de gás não foram feitas para ficar muito tempo ao sol, e uma  enorme cisterna com vinte e cinco toneladas de propeno, apesar de só  poder conter dezano...
Translated from NL to PT by Xénon Cruz
Written in NL by Joost Oomen

O Comunismo Visto por Criancinhas

Tenho quatro anos e nunca subi mais além do primeiro andar. Estou  convencido de que a serpente azul do corrimão é infindável, que ela sobe,  sobe e sobe, rebenta o teto de alcatrão do nosso prédio e avança invisível até  ao céu. É um pensamento que não partilho com ninguém. O meu medo  aquece-se na chama deste pensamento.  As pessoas descem dos andares superiores, lá do céu, por vezes falam  entre elas em surdina e não oiço o que dizem. Mas nunca há um silêncio  combinado entre elas. Nunca há silêncio. Os murmúrios flutuam de uma  para outra. São como algumas abelhas ou talvez como algumas mo...
Translated from RO to PT by Simion Doru Cristea
Written in RO by Andrei Crăciun

Ponto de fuga

Trata-se da história de um homem que não quer perder o caminho para  casa. Ele é feito de massa de pão. Parte de casa. À medida que vai  caminhando, retira uma migalha de si próprio e deixa-a cair no chão.  Começa por retirar um dos braços. De seguida, as orelhas. O nariz. Mais  tarde, arranca uma parte da barriga, surgindo um buraco. Na cena  seguinte, olhamos através do buraco da barriga do homem. Através do  buraco da barriga dá para ver, à distância, uma casa pequena. Atrás da  janela, vê-se uma mulher idosa à mesa. A mulher encontra-se a amassar  massa de pão. Música comovente. Fim.  Trat...
Translated from NL to PT by Pedro Viegas
Written in NL by Maud Vanhauwaert

A aprendizagem

Quando construí o primeiro, pensei ter criado uma obra-prima. Como um pintor a terminar o quadro inaugural da sua carreira, que renegará com a mesma veemência com que o perfilhou originalmente. Fi-lo à minha imagem e semelhança e, quando lhe vi vida nos olhos pela primeira vez, foi como se me olhasse ao espelho. Apenas pela dessincronia do reflexo desfiz o equívoco. Não fui módico nas habilidades que lhe dispensei: força, agilidade, espírito combativo, uma extraordinária capacidade estratégica. Ainda assim, levei apenas dez minutos a derrotá-lo. Parecia estar a lutar com uma criança amblíope e...
Written in PT by Valério Romão

Chiclete Blues

23,40 euros. É esse o montante que figura, em algarismos verde-alface, na  registadora do guiché. Umas mãos pálidas e enrugadas colocam  cautelosamente, uma por uma, as moedas amarelas e castanhas na gaveta  do dinheiro, ao lado de uma nota de vinte euros. Logo a seguir, as mãos  fecham a pequena carteira em pele, ao mesmo tempo que uma voz  condicente de senhora emite sons apaziguadores.  — Calma, também te vão dar um bilhete — cochicha a senhora ao  seu cão, que, tal como ela, permanece fora do alcance do nosso olhar. Quando a gaveta se volta a abrir, as moedas desapareceram e, no  lugar del...
Translated from NL to PT by Xénon Cruz
Written in NL by Carmien Michels

Bárbaros no Império Romano

Porque caiu o Império Romano? Esta pergunta atormentou a civilização  europeia em toda a sua história, a par (de modo por vezes explícito, por  vezes subentendido) com a reflexão sobre as consequências que aquele  acontecimento longínquo tem no presente. Impressionados pelas ruínas  monumentais de Roma e instruídos sobre a sua herança imaterial, olhámos  com admiração as suas conquistas económicas, tecnológicas e culturais: e  perguntámo-nos qual teria sido a evolução da civilização ocidental se a  queda do Império não tivesse modificado as condições individuais de vida  e redimensionado drast...
Translated from IT to PT by Ana Cristino
Written in IT by Fabio Guidetti

Parêntesis

      Suponho que nem o que temos de mais fiável - os sentidos, isto é, o que vemos, ouvimos, aquilo de que nos apercebemos com o corpo - é fiável em situações como a morte de um pai, o nascimento de um filho ou estar prestes a  morrer atropelado. Agora, que já enterrámos o papá, e estou por fim sozinho com os meus pensamentos, constato que ontem, no tanatório, tal como há trinta anos atrás, o tempo parou.  Por uns segundos, sim. Mas aconteceu outra vez. E soube, imediatamente, que se tratava do mesmo fenómeno que vivi em criança.        Naquela noite também estava com o papá.        Aconteceu...
Translated from ES to PT by Matias Gomes
Written in ES by Mariana Torres

Portasar Nenhum Instante

Lucas corre tão lesto ali que as novas imagens não chegam a substituir as  mais antigas em tempo útil. O vento sopra silenciosa e eficazmente, mínimas fricções. Os pomares estão rodeados pela floresta e nela, através  do procedimento do caminhar, Lucas deparou-se com uma tília muito alta,  folhas esbranquiçadas por trás, com um enorme buraco na base. Dentro havia areia seca e uma cama onde se pode dormir quando chove e uma taça.  Ali nunca lhe faltavam números para adicionar, multiplicar e dividir,  finalmente podia recuperar os números originais do resultado e fazer outra  coisa com eles como...
Translated from RO to PT by Simion Doru Cristea
Written in RO by Cătălin Pavel

Depois da Última Ceia

Têm sido dias fantásticos. Morrer é assim, lembro-me de cada minuto. É como se estivesse deitado sobre o mapa do agora, em alto relevo. Estou de costas, para sentir cada pico de montanha, cada vale, todas as planícies. A vida não corre para a frente nem para trás, é só agora, agora, agora. Ao fim de algum tempo sinto uma dor extremamente localizada, tal qual um punhal, e fico extraordinariamente acordado, como no instante em que o juiz me condenou à morte. Morrer é assim, acontece várias vezes, mas uma delas é a definitiva. A sensação de fim pode durar muito tempo, comigo dura desde o anúncio ...
Written in PT by José Gardeazabal

O nosso pai

O corpo inteiro do meu meio-irmão tomou a forma da sua indiferença. As suas pernas, ligeiramente arqueadas e enfiadas numas calças de ganga desbotadas, acabam em pés que quase não levanta do chão enquanto caminha, pelo que a sua presença é constantemente acompanhada por um som de arrasto dos pés. A parte superior do seu corpo é como um bolo deformado colocado à volta da cintura. Tem ombros curvados para a frente e braços esguios que só levanta quando é mesmo necessário. Mas aquilo que primeiro me salta à vista quando ele surge por trás da porta de casa são as suas sobrancelhas e os cantos da b...
Translated from NL to PT by Pedro Viegas
Written in NL by Lotte Lentes

E lá longe Dedos Dez

POLEGAR  Mesmo estando no décimo segundo andar, consegues ouvir o barulho das  obras. Estás a lavar a louça. Rebolaste para fora da cama, vestiste uns boxers  e, de tronco nu e sem meias, começaste a lavar a louça. Como não saiu logo água quente da torneira, esqueceste-te de abrir a torneira da água fria, pelo  que a água ficou demasiado quente, magoando-te as mãos. Quando as tiras   debaixo de água, ficam vermelho-vivas.  A banca está toda coberta de louça suja. Também no chão da cozinha estão  panelas, travessas de vidro e pilhas de pratinhos com requeijão ressequido  nas bordas. O chão da ...
Translated from NL to PT by Xénon Cruz
Written in NL by Joost Oomen

O tempo é um circo

De madrugada, sonhou com um crime cometido sob uma amendoeira e quatro bilhetes de lotaria, todos sem prémio. Era domingo. No sonho, o jovem médico chorou e despertou com as bochechas húmidas, abraçado por uma tristeza púrpura. Come sem apetite, veste-se de luto e espera pelo telefonema que deveria confirmar quem morreu nessa noite. O seu avô nascera perto do início do século XX num mundo demasiado longínquo para que as pessoas tivessem mantido algumas fotografias dele. O pai do seu avô tinha falecido trinta anos antes do jovem médico nascer. Ele vinha de um tempo ainda mais antigo, quando os ...
Translated from RO to PT by Simion Doru Cristea
Written in RO by Andrei Crăciun

Torcidos

Naquela noite chamava-me, e não parecia que fosse parar. — Mamã. Mamã!  Dizia-o assim, oferecendo-o a mim e ao quarto enquanto se encolhia  numa escuridão de cera, cheia de brinquedos (a sua única propriedade).  Voltou a gritar-mo, com muito mais força, e então afastei o olhar e acariciei  o copo de uísque, mesmo debaixo da base, até que a humidade passou para  a ponta do dedo.  A palavra estava bem cosida ao seu cérebro desde bebé.  Fiquei muito quieta enquanto observava a forma brilhante e obsti nada da gota. Não era um crime deixar que aprendesse a sentir frio, ou  como tragá-lo. Imaginava ...
Translated from ES to PT by Matias Gomes
Written in ES by Matías Candeira

Um Anjo

– Xiu, olha, lá vem.  Os homens sustêm o fôlego, imobilizados, contra a arcada. Pela sua  frente passa uma mulher com uma capa verde, mala, sapatos e luvas de pele  de serpente. Os saltos altos transmitem um som agudo e do seu cabelo  preso ao alto caem algumas madeixas. O passeio está cheio de gente que  vem das compras, e a mulher sobressai, discordante, com o seu luxo fora do  comum. Porém, ninguém lhe assobia, até mesmo algumas pessoas lhe dão  passagem ao chegar.  – Lá vem ela agora – murmura o homem mais velho, e os dois  furam atrás dela.  Seguem-na a uma distância suficientemente grand...
Translated from RO to PT by Simion Doru Cristea
Written in RO by Anna Kalimar

Ortensio

Ele pensa que o mundo é feito de linhas. Não são paralelas, não lhe  importa onde vão encontrar-se. Importa o espaço que as separa, aquilo que  o preenche, o que nasce e o que morre no tempo que as contém, imutáveis  e imaginárias, na solidão de quem as observa.  É uma linha o horizonte que divide o céu do golfo de Santa  Eufémia. Muitas vezes, se o pôr do Sol é límpido, o Stromboli parece mais  próximo. Surge como uma pirâmide quase negra, do cume nasce um ténue  fumo cinzento que Ortensio distingue a custo. É uma linha, aquela  formada pelos seixos que, na margem, antecedem a linha de rebent...
Translated from IT to PT by Ana Cristino
Written in IT by Maurizio Amendola

Mas a casa ainda mora em mim

Um batismo. Um novo começo. Uma capa preta por cima dos meus  ombros, como um manto cerimonial. Ela pega na minha cabeça e inclina-a,  cuidadosamente, para trás. A água parece muito mais suave do que a água  do meu duche em casa. As suas pontas dos dedos massajam o meu couro  cabeludo. A minha cabeça. Esta minha cabeça. Esta cabeça sem a qual não posso viver. Esta cabeça pesada. Esta cabeça que se anuncia. Esta cabeça em  que pensamentos. Sempre pensamentos sem aviso prévio. Pensamentos  que nunca cessam. Fecho os olhos e tento imaginar que, juntamente com a  minha cabeça, ela também massaja o...
Translated from NL to PT by Pedro Viegas
Written in NL by Maud Vanhauwaert