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Welcome to our publication platform! You can browse and search for stories and samples from all our writers. Thanks to our translators, each story is available in Czech, Dutch, Italian, Polish, Portuguese, Romanian, Serbian, Slovene and Spanish. Throughout the years, this platform is becoming a growing archive of European literature by the future generation of literary artists. We're sharing stories beyond barriers.

Depois da Última Ceia

Têm sido dias fantásticos. Morrer é assim, lembro-me de cada minuto. É como se estivesse deitado sobre o mapa do agora, em alto relevo. Estou de costas, para sentir cada pico de montanha, cada vale, todas as planícies. A vida não corre para a frente nem para trás, é só agora, agora, agora. Ao fim de algum tempo sinto uma dor extremamente localizada, tal qual um punhal, e fico extraordinariamente acordado, como no instante em que o juiz me condenou à morte. Morrer é assim, acontece várias vezes, mas uma delas é a definitiva. A sensação de fim pode durar muito tempo, comigo dura desde o anúncio ...
Written in PT by José Gardeazabal

Revolta inversa

A sua vida com Carmen Ottomany começara muito abruptamente nos  finais do décimo primeiro ano. No dia em que tinha decidido deixar a  cidade, procurou uma fulana alta da turma mais próxima, uma tal Fahrida  (o seu pai era do Irão), mas que se apresentava como Frida. Saiu da cidade  pois estava convencido de que ao partir os limites ficariam para trás, uma  convicção absurda, mas se alguém nunca a tiver será digno de piedade. Foi  encontrar a tal Frida entre um grupo de raparigas nas traseiras de um  prédio, fumando e rindo. Fumava-se naqueles tempos, mesmo nos liceus  dos snobes como era o Sub...
Translated from RO to PT by Simion Doru Cristea
Written in RO by Cătălin Pavel

Perguntem ao Relâmpago

Não era a minha intenção causar um burburinho. Mas de repente assim  foi. Falei na escola sobre o acidente de viação e uma coisa levou à outra. Estava pela ponta dos cabelos com os exames, de maneira que nunca  conseguia acordar a horas, embora me propusesse sempre na véspera de  cada prova a folhear atentamente tudo aquilo que ainda não tinha  aprendido. Depois do bipe irritante do despertador da minha mãe, que  tinha de estar bem mais cedo no emprego, voltava sempre a cair num sono  profundo, tão profundo que mal ouvia o meu próprio alarme. O meu pai  vinha-me então tirar do ninho mesmo a te...
Translated from NL to PT by Xénon Cruz
Written in NL by Carmien Michels

Não Deem Comida aos Macacos

Luz estava há mais de meia hora à espera ao sol. De vez em quando,  percorria o passeio de um extremo a outro para desentorpecer as pernas e  aliviar o peso da barriga. Os seus olhos moviam-se com rapidez entre os  carros que circulavam pela avenida, especialmente quando se ouvia uma  aceleradela. Mas nada.        Decidiu refugiar-se do calor debaixo do beiral do edifício. Foi  então quando, de trás de um autocarro, apareceu ziguezagueando o  pequeno carro vermelho. Luz viu como Jaime travava bruscamente e se  punha a tocar a buzina repetidas vezes, como se estivesse há muito tempo  à sua espe...
Translated from ES to PT by Matias Gomes
Written in ES by Roberto Osa

Os Meninos Escritores

Quase tudo o que aconteceu nesse dia passa-se aqui. Estou com o indicador  apontado à cabeça. Muitos anos depois, enquanto levo o meu filho a  descobrir o gelo, ainda recordo todos os acontecimentos daquele único dia  como «o fuzilamento».  Ninguém morreu. As pessoas eram perigosas, especialmente as  crianças pequenas, penduradas nas árvores. Os pés a balançar — e era da  língua no meio da boca que viriam os piores crimes.   Ouvir dói, caminhar é um truque. Caminhemos.   Mesmo os pequenos ditadores envelhecem. Os filhos coabitam a  terra com os pais, há milhões, talvez milhares de anos. Imagin...
Written in PT by José Gardeazabal

Manobra

É fim de janeiro, um sábado, um ano depois de teres deixado o vaporizador  de arroz em casa dela. Enches duas canecas de café e tiras as fatias de pão da  torradeira. O açucareiro está na penúltima prateleira do armário em cima  do fogão. Quando te esticas para lá chegar, o teu ombro faz um som  enjoativo. Ela levanta os olhos do telefone, que está pousado ao lado dos seus óculos, em cima da mesa de jantar. Pões o açucareiro em cima da mesa,  pedes licença e choras na casa de banho. Se expirares lentamente, quase não  se conseguem ouvir os soluços. Um eco, se tanto. Um segredo que partilhas  c...
Translated from NL to PT by Xénon Cruz
Written in NL by Simone Atangana Bekono

Torcidos

Naquela noite chamava-me, e não parecia que fosse parar. — Mamã. Mamã!  Dizia-o assim, oferecendo-o a mim e ao quarto enquanto se encolhia  numa escuridão de cera, cheia de brinquedos (a sua única propriedade).  Voltou a gritar-mo, com muito mais força, e então afastei o olhar e acariciei  o copo de uísque, mesmo debaixo da base, até que a humidade passou para  a ponta do dedo.  A palavra estava bem cosida ao seu cérebro desde bebé.  Fiquei muito quieta enquanto observava a forma brilhante e obsti nada da gota. Não era um crime deixar que aprendesse a sentir frio, ou  como tragá-lo. Imaginava ...
Translated from ES to PT by Matias Gomes
Written in ES by Matías Candeira

O nosso pai

O corpo inteiro do meu meio-irmão tomou a forma da sua indiferença. As suas pernas, ligeiramente arqueadas e enfiadas numas calças de ganga desbotadas, acabam em pés que quase não levanta do chão enquanto caminha, pelo que a sua presença é constantemente acompanhada por um som de arrasto dos pés. A parte superior do seu corpo é como um bolo deformado colocado à volta da cintura. Tem ombros curvados para a frente e braços esguios que só levanta quando é mesmo necessário. Mas aquilo que primeiro me salta à vista quando ele surge por trás da porta de casa são as suas sobrancelhas e os cantos da b...
Translated from NL to PT by Pedro Viegas
Written in NL by Lotte Lentes

O Império Romano em 100 Datas

9  11 de setembro. No final de uma sangrenta batalha que durou mais de três  dias na floresta de Teutoburgo, na Alemanha Setentrional, três legiões  romanas inteiras, comandadas pelo governador Públio Quintílio Varo, são  aniquiladas por uma coligação de populações germânicas chefiada por  Armínio, chefe da tribo dos Queruscos. O choque que a notícia provoca  em Roma é enorme: na sequência da derrota, Augusto decide evacuar  todos os territórios compreendidos entre o Reno e o Elba, conquistados  por Druso e depois por Tibério (os filhos da mulher, Lívia, nascidos do  primeiro casamento com Ti...
Translated from IT to PT by Ana Cristino
Written in IT by Fabio Guidetti

O Comunismo Visto por Criancinhas

Tenho quatro anos e nunca subi mais além do primeiro andar. Estou  convencido de que a serpente azul do corrimão é infindável, que ela sobe,  sobe e sobe, rebenta o teto de alcatrão do nosso prédio e avança invisível até  ao céu. É um pensamento que não partilho com ninguém. O meu medo  aquece-se na chama deste pensamento.  As pessoas descem dos andares superiores, lá do céu, por vezes falam  entre elas em surdina e não oiço o que dizem. Mas nunca há um silêncio  combinado entre elas. Nunca há silêncio. Os murmúrios flutuam de uma  para outra. São como algumas abelhas ou talvez como algumas mo...
Translated from RO to PT by Simion Doru Cristea
Written in RO by Andrei Crăciun

Para não Te Ver

Já sabes que levei os miúdos, as roupas, as coisas do banho, a comida  biológica dividida em pequenas porções dentro de tupperwares de cores  berrantes como as da Benetton, levei também os livros deles, porque de  noite é só pela leitura que consigo convocar o sono do Rogério, e não raras  vezes ele acorda horas depois com um pesadelo a esganar-lhe a maçã-de adão, e eu abraço-o, como te abraçava, Rita, quando fazíamos um ninho  tão perfeito que quem nos visse de cima poderia facilmente confundir-nos  com um daqueles símbolos chineses a preto-e-branco onde se vêem  explicados a imortalidade e o...
Written in PT by Valério Romão

Parêntesis

      Suponho que nem o que temos de mais fiável - os sentidos, isto é, o que vemos, ouvimos, aquilo de que nos apercebemos com o corpo - é fiável em situações como a morte de um pai, o nascimento de um filho ou estar prestes a  morrer atropelado. Agora, que já enterrámos o papá, e estou por fim sozinho com os meus pensamentos, constato que ontem, no tanatório, tal como há trinta anos atrás, o tempo parou.  Por uns segundos, sim. Mas aconteceu outra vez. E soube, imediatamente, que se tratava do mesmo fenómeno que vivi em criança.        Naquela noite também estava com o papá.        Aconteceu...
Translated from ES to PT by Matias Gomes
Written in ES by Mariana Torres

O exílio

A cama era como uma caravela que trespassava as águas da noite. Abraçados, ambos tinham a textura de uma onda sombria, iluminada, de vez em quando, por um raio de luz. A caravela flutuava serena e misteriosa, e à volta a paisagem era apenas a infindável extensão das águas, sem que esta fosse assustadora. Tinham-se reencontrado há pouco tempo. Por vezes, jogavam ténis. Às vezes bebiam mesmo uma cerveja depois. Tais camaradagens efémeras aconteciam muitas vezes entre os empregados solitários que tinham sido transferidos para aquela cidade. Geralmente, preferiam transferir solteiros. Contudo, cu...
Translated from RO to PT by Simion Doru Cristea
Written in RO by Anna Kalimar

Residence

Apartamento 11  O MENINO  Aquele menino, olhai bem para ele.  Todos os verões, aquele menino tem mais um ano.  Todos os verões, o castanho dos seus cabelos é aclarado pelo sol num  vermelho ténue, de reflexos claros. Todos os verões, de manhã, enche os  pneus da sua BMX e pedala dentro da Residence, ao longo do muro de  pedra atrás do qual se esconde e espia os da sua idade escoicear uma bola no  campo de terra batida. Gritam palavrões de todo o tipo. Palavrões que o menino nunca disse.  A Residence é composta por dois pequenos edifícios de três pisos,  idênticos. Um o reflexo do outro. A div...
Translated from IT to PT by Ana Cristino
Written in IT by Maurizio Amendola

E lá longe Dedos Dez

POLEGAR  Mesmo estando no décimo segundo andar, consegues ouvir o barulho das  obras. Estás a lavar a louça. Rebolaste para fora da cama, vestiste uns boxers  e, de tronco nu e sem meias, começaste a lavar a louça. Como não saiu logo água quente da torneira, esqueceste-te de abrir a torneira da água fria, pelo  que a água ficou demasiado quente, magoando-te as mãos. Quando as tiras   debaixo de água, ficam vermelho-vivas.  A banca está toda coberta de louça suja. Também no chão da cozinha estão  panelas, travessas de vidro e pilhas de pratinhos com requeijão ressequido  nas bordas. O chão da ...
Translated from NL to PT by Xénon Cruz
Written in NL by Joost Oomen

Portasar Nenhum Instante

Lucas corre tão lesto ali que as novas imagens não chegam a substituir as  mais antigas em tempo útil. O vento sopra silenciosa e eficazmente, mínimas fricções. Os pomares estão rodeados pela floresta e nela, através  do procedimento do caminhar, Lucas deparou-se com uma tília muito alta,  folhas esbranquiçadas por trás, com um enorme buraco na base. Dentro havia areia seca e uma cama onde se pode dormir quando chove e uma taça.  Ali nunca lhe faltavam números para adicionar, multiplicar e dividir,  finalmente podia recuperar os números originais do resultado e fazer outra  coisa com eles como...
Translated from RO to PT by Simion Doru Cristea
Written in RO by Cătălin Pavel

A Alameda do Amanhecer

Cada homem goza de direitos, porém estes direitos são divinos, e não pode  ser de outro modo, numa última frase, não é obrigatório que esta frase seja  longa nem semelhante a um bilhete de despedida, o que conta é que seja  verdadeira, com uma verdade que a preencha, mesmo que seja a última,  porque a verdade tem o hábito de ser caprichosa, o que não significa que  não exista, existe seguramente e deve ser revelada, mas não num conto, o  conto contém a sua verdade intrínseca, não a mesma da verdade verdadeira  nem menos, mas esta frase é minha por direito para uma história e segui-a  até ao fi...
Translated from RO to PT by Simion Doru Cristea
Written in RO by Andrei Crăciun

Hidra

— Nada como a nossa casa — diz ele e, um a um, tira os anéis. Ivanka caminha até ao centro da cabina e fica parada. Ainda esperará um  pouco. Observa-o a mover-se junto à cama, mais rápido, para que a luz ver melha suavize a sua corpulência e a sua respiração se deixe ir rumo ao som  do oceano. Aliás, já orquestrou a maneira minuciosa de ir examinando o  quarto até criar pequenas ilhas de si mesmo. Descalçou-se rapidamente. O  casaco cai mole sobre o bengaleiro. Os botões de punho dourados e o laço  vão para a mesinha de cabeceira. Que atencioso. Estas gentilezas rodei am-na.  — Que alívio liv...
Translated from ES to PT by Matias Gomes
Written in ES by Matías Candeira

Como pode medir-se o tempo?

Como pode medir-se o tempo? É possível compreender verdadeiramente esta categoria do pensamento e da realidade, que nos escapa continuamente no preciso momento em que procuramos compreendê-la? No nosso mundo, no qual relógios e calendários estão acessíveis em poucos segundos a quem quer que seja, é difícil imaginar o que significaria viver sem saber o momento, a hora, o dia em que se estava. Ainda nos tempos dos nossos avós, apenas os mais ricos e os mais instruídos podiam ler um jornal e ter um relógio de bolso: para aqueles que viviam e trabalhavam no campo, a perceção do passar do tempo era...
Translated from IT to PT by Ana Cristino
Written in IT by Fabio Guidetti

Mesmo Que apenas Uma só Gota Possa Ser Vista

The white cracker who wrote the national anthem knew what he was doing. He set the world “free” to a note so high nobody can reach it. That was deliberate. Angels in America,   Tony Kushner O meu pai e eu íamos a caminho do aeroporto. Eu ia passar um mês aos  Estados Unidos e ele fazia questão de se despedir de mim lá.  Ia a Charleston, uma pequena cidade no litoral da Carolina do Sul.  O meu pai perguntou-me como é que a cidade era, e eu apercebi-me,  nessa altura, de que não tinha ido à procura de quaisquer imagens no  Google. A única coisa que sabia é que tinha havido um tiroteio na cave ...
Translated from NL to PT by Pedro Viegas
Written in NL by Rebekka de Wit