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Welcome to our publication platform! You can browse and search for stories and samples from all our writers. Thanks to our translators, each story is available in Czech, Dutch, Italian, Polish, Portuguese, Romanian, Serbian, Slovene and Spanish. Throughout the years, this platform is becoming a growing archive of European literature by the future generation of literary artists. We're sharing stories beyond barriers.

Revolta inversa

A sua vida com Carmen Ottomany começara muito abruptamente nos  finais do décimo primeiro ano. No dia em que tinha decidido deixar a  cidade, procurou uma fulana alta da turma mais próxima, uma tal Fahrida  (o seu pai era do Irão), mas que se apresentava como Frida. Saiu da cidade  pois estava convencido de que ao partir os limites ficariam para trás, uma  convicção absurda, mas se alguém nunca a tiver será digno de piedade. Foi  encontrar a tal Frida entre um grupo de raparigas nas traseiras de um  prédio, fumando e rindo. Fumava-se naqueles tempos, mesmo nos liceus  dos snobes como era o Sub...
Translated from RO to PT by Simion Doru Cristea
Written in RO by Cătălin Pavel

O Comunismo Visto por Criancinhas

Tenho quatro anos e nunca subi mais além do primeiro andar. Estou  convencido de que a serpente azul do corrimão é infindável, que ela sobe,  sobe e sobe, rebenta o teto de alcatrão do nosso prédio e avança invisível até  ao céu. É um pensamento que não partilho com ninguém. O meu medo  aquece-se na chama deste pensamento.  As pessoas descem dos andares superiores, lá do céu, por vezes falam  entre elas em surdina e não oiço o que dizem. Mas nunca há um silêncio  combinado entre elas. Nunca há silêncio. Os murmúrios flutuam de uma  para outra. São como algumas abelhas ou talvez como algumas mo...
Translated from RO to PT by Simion Doru Cristea
Written in RO by Andrei Crăciun

Uma declaração de dependendência

Recentemente, cruzei-me num churrasco com uma pessoa que tinha  acabado de ter um bebé. O churrasco era a primeira atividade fora de casa  pós-parto. Com o bebé nos braços, confessou o quão dependente se tinha  tornado. Esta palavra fazia-lhe surgir uma expressão de deceção na face, e  contava isto como se de uma confissão se tratasse.  Ela parecia considerar a dependência como uma forma de fracasso. Tal como todos nós, julgo eu.  A dependência é, normalmente, associada a algo fraco e pouco atraente,  quase feio. A independência, por sua vez, é vista como algo forte e atraente,  o objetivo a a...
Translated from NL to PT by Pedro Viegas
Written in NL by Rebekka de Wit

Os Pandas de Ueno

Desde que as crianças nasceram, ou talvez desde que eu me inscrevera nas redes sociais, ou ainda desde que o trabalho me obrigava a comunicar de forma clara e atrevida, a fazer no fundo referência a coisas conhecidas, em vez de as inventar, dividia o meu tempo em tempo verdadeiro, ou seja, aquele que podia relatar a mim mesma na minha língua verdadeira, e tempo falso, ou aquele em que tinha de falar por categorias, segundo códigos ou por emulação de atitudes. Lia nos romances acerca de homens tenazes e voluntariosos que se levantavam às quatro da manhã, tomavam duches frios, e às seis já esta...
Translated from IT to PT by Vasco Gato
Written in IT by Arianna Giorgia Bonazzi

Para não Te Ver

Já sabes que levei os miúdos, as roupas, as coisas do banho, a comida  biológica dividida em pequenas porções dentro de tupperwares de cores  berrantes como as da Benetton, levei também os livros deles, porque de  noite é só pela leitura que consigo convocar o sono do Rogério, e não raras  vezes ele acorda horas depois com um pesadelo a esganar-lhe a maçã-de adão, e eu abraço-o, como te abraçava, Rita, quando fazíamos um ninho  tão perfeito que quem nos visse de cima poderia facilmente confundir-nos  com um daqueles símbolos chineses a preto-e-branco onde se vêem  explicados a imortalidade e o...
Written in PT by Valério Romão

Diário da Vida

17     22 de dezembro de 2014. Diário da Vida     A aparência irreal da Praça de Espanha na fotografia impressionava com  magnificência da civilização anterior já despida do seu sentido. Para que é que uma potência colonial necessita de uma praça tão tamanha, concebida para as festividades de outrora, decorada com os nichos pretensiosamente dedicados cada um a uma província espanhola? As carruagens circulavam ao redor da fonte, oferecendo aos turistas uma amostra barata da pompa da nobreza antiga. Pelo menos não se veem os segways por aqui. Um cavalo aproveitou-se do descuido do cocheiro, ...
Translated from SR to PT by Ilija Stevanovski
Written in SR by Marija Pavlović

A ponte

Todas as estações de comboio têm um relógio. Na verdade, têm mais do  que um. Em cima da bilheteira fica o principal. Depois, na gare de  embarque, estão os mais pequenos. Os úteis, pois são cúmplices da nossa  preguiça em tirar o telemóvel do bolso ou consultar o relógio de pulso.   As crianças ficam fascinadas por estes relógios. Como o ponteiro  dos segundos roda sem parar, acaba por ser o único momento em que  conseguem ver o tempo a passar. Olham o ponteiro a subir e, à medida que  se verticaliza, os seus coraçõezinhos batem mais depressa e os olhos  esbugalham-se. Quando, por fim, o indi...
Written in PT by João Valente

O Sol quando Cai

I  Na manhã de 11 de julho de 1978, parte em direção a Barcelona um camião  com um carregamento de propeno líquido. O camião vem de uma  pequena cidade na Catalunha e é conduzido por um motorista que, no  meio da sua cara brilhante, usa um grosso bigode. Já trabalha há vinte anos  para a mesma empresa, com o mesmo camião, e conhece a rede rodoviária  de Espanha de cor. Para evitar portagens, escolhe sempre as estradas  interiores.  As botijas de gás não foram feitas para ficar muito tempo ao sol, e uma  enorme cisterna com vinte e cinco toneladas de propeno, apesar de só  poder conter dezano...
Translated from NL to PT by Xénon Cruz
Written in NL by Joost Oomen

Moça-Morte

Bloqueio da linha. O suicídio por estrangulamento é relativamente raro. Segundo a prática habitual, o garrote costuma ser enrolado mais vezes e até pode ser assente em algo macio. Durante o estrangulamento, a irritação do nervo vago e a compressão das artérias carótidas impedem o fluxo de sangue para o cérebro e fecham a circulação respiratória. É que a laringe pode não fechar completamente e por isso morrer assim leva mais tempo do que no caso do enforcamento - a menos que tudo resulte em apenas uma perda de consciência e o soltar do garrote. Ao contrário, o enforcamento tem sido desde há ...
Translated from CZ to PT by Stepanka Lichtblau
Written in CZ by Lucie Faulerová

Finalmente tens um quarto só para ti

Estou desconfortável, mas sem arriscar mexer-me para não te acordar.  Alongo as costas e atenuo a moinha. Estou meio sentado na borda da  cama, deixando o colchão à tua disposição. Caíste num sono profundo e  aproveito para te afagar os cabelos com meiguice. Não gostas que o faça  quando estás acordado.   Era no sofá que me desforrava. Nos momentos em que quase  adormecias, embalado por um dia de correrias e brincadeiras, punha-te a  ver desenhos animados. Nessa altura, enchia-te de cafunés. Aceitavas os  meus mimos por estares num estado de semiconsciência. Deixavas-te estar,  chuchando ruido...
Written in PT by João Valente

Natalya

Assim que soube que o problema era evasão fiscal liguei ao meu  contabilista  ó Zeferino, mas que porra é esta, tu explica-me lá que porra é esta,  disseste-me que tinhas tudo sob controlo, para ignorar as cartas das  finanças que tratavas de tudo, tu explica-me que porra é esta, e à Misé, a quem há apenas dois dias dera um anel de zircónio muito  decente,  temos de devolver a jóia, princesa, depois explico-te  lavei o bucho com dois calmantes e meia garrafa de vodka, estendi-me no  sofá e meti o portátil no chão a vomitar folhas de Excel para que, na  eventualidade de alguém chegar, a minha i...
Written in PT by Valério Romão

Mas a casa ainda mora em mim

Um batismo. Um novo começo. Uma capa preta por cima dos meus  ombros, como um manto cerimonial. Ela pega na minha cabeça e inclina-a,  cuidadosamente, para trás. A água parece muito mais suave do que a água  do meu duche em casa. As suas pontas dos dedos massajam o meu couro  cabeludo. A minha cabeça. Esta minha cabeça. Esta cabeça sem a qual não posso viver. Esta cabeça pesada. Esta cabeça que se anuncia. Esta cabeça em  que pensamentos. Sempre pensamentos sem aviso prévio. Pensamentos  que nunca cessam. Fecho os olhos e tento imaginar que, juntamente com a  minha cabeça, ela também massaja o...
Translated from NL to PT by Pedro Viegas
Written in NL by Maud Vanhauwaert

Parêntesis

      Suponho que nem o que temos de mais fiável - os sentidos, isto é, o que vemos, ouvimos, aquilo de que nos apercebemos com o corpo - é fiável em situações como a morte de um pai, o nascimento de um filho ou estar prestes a  morrer atropelado. Agora, que já enterrámos o papá, e estou por fim sozinho com os meus pensamentos, constato que ontem, no tanatório, tal como há trinta anos atrás, o tempo parou.  Por uns segundos, sim. Mas aconteceu outra vez. E soube, imediatamente, que se tratava do mesmo fenómeno que vivi em criança.        Naquela noite também estava com o papá.        Aconteceu...
Translated from ES to PT by Matias Gomes
Written in ES by Mariana Torres

O Império Romano em 100 Datas

9  11 de setembro. No final de uma sangrenta batalha que durou mais de três  dias na floresta de Teutoburgo, na Alemanha Setentrional, três legiões  romanas inteiras, comandadas pelo governador Públio Quintílio Varo, são  aniquiladas por uma coligação de populações germânicas chefiada por  Armínio, chefe da tribo dos Queruscos. O choque que a notícia provoca  em Roma é enorme: na sequência da derrota, Augusto decide evacuar  todos os territórios compreendidos entre o Reno e o Elba, conquistados  por Druso e depois por Tibério (os filhos da mulher, Lívia, nascidos do  primeiro casamento com Ti...
Translated from IT to PT by Ana Cristino
Written in IT by Fabio Guidetti

O final feliz

      Foi a chuva que me acordou. Meteu-se no meu sonho e no início eu não sabia de que mundo vinha. Eu a nadar na infinidade do Pacífico. Sei que era o Pacífico, conheço bem o Oceano Pacífico da televisão. Eu a nadar no turquesa e no cristal. É assim mesmo que dizem nas reportagens, turquesa e cristal. Na anca levava umas fitas que apertavam o fato de banho com umas continhas coloridas penduradas. Recordo-me dele das fotos, o meu primeiro fato de banho, ainda de menina. Enquanto eu fazia o nó, o céu abriu e deixou cair uma cortina de água. As gotas pesadas caíam na minha cabeça e nos meus bra...
Translated from SR to PT by Ilija Stevanovski
Written in SR by Jasna Dimitrijević

Mudar de ideias

A Maixa recomenda-me que pronuncie todas as sílabas, sem me armar em londrina, que não me alongue muito no enquadramento teórico, que experimente o equipamento informático antes de começar a defesa, que seja humilde, que tome nota das perguntas e sugestões do júri e que os convide para almoçar num restaurante de menu fixo. A June opina que isso do menu é muito foleiro e sugere-me um refeitório na faculdade, uma citação de Weber, meio Lexatin ao pequeno-almoço e dar-me boleia até Gasteiz. Aceito a bibliografia e o transporte. Saímos de Bilbau com a minha mãe, a minha prima e o meu namorado co...
Translated from ES to PT by Miguel Martins
Written in ES by Aixa De la Cruz Regúlez

Árvore Monstro Menino Árvore

Ainda não sabemos como Óscar comeu a semente, nem descobrimos de  onde a tirou. Temos ainda menos respostas para percebermos como pôde a  árvore crescer-lhe por dentro, germinar a semente sem qualquer  impedimento, disse o médico, na boca do seu estômago, regada somente  pelos sucos biliares do menino. É que aos sete anos, também nos disse o médico, os estômagos funcionam muito bem. O corpo do nosso Óscar —  ainda era o nosso Óscar então — permitiu que a árvore crescesse, que as  raízes se estendessem pelos intestinos e que o tronco se fosse distendendo  esguio, cerimonioso, ao longo do esófag...
Translated from ES to PT by Matias Gomes
Written in ES by Mariana Torres

Expedição do fogo de artifício

Eis uma passagem do primeiro capítulo "Reunindo forças para a fuga", da novela-reportagem “Expedição ao fogo de artifício”, ou “A respeito da União Europeia e dos jovens”, a qual será publicada ainda este ano pela Editora Petr Štengl. (...) Por falta de experiência, entrei no clube logo após a abertura, quando a malta estava ainda apenas ganhando ânimo nos bares vizinhos. Até agora, só os efeitos de luz deambulavam pelo chão deserto, e o techno-set introdutório do DJ lembrava mais os mantras de um monge budista do que qualquer coisa satânica. Pelo reflexo húmido do chão, era óbvio que meia ho...
Translated from CZ to PT by Stepanka Lichtblau
Written in CZ by Ondrej Macl

A Ilha

Até hoje não sei bem o que estava a fazer nas ilhas. De que estava à procura? Sei só o que deixei para trás. O país que me deu o passaporte. A mulher que me deu a vida. Tantas coisas que podia comprar com dinheiro. O mundo que eu não conseguia e não sabia mudar. A água do mar estava morna. Ao anoitecer, as ondas resplandeciam repletas de plâncton. Depois de tantos anos de viagem, já não sabia reconhecer bem as docas entre palmares onde normalmente costumava apanhar os sucessivos barcos. Fiquei confusa com os nomes das ilhas, todos começados por palavras como koh e nusa. Fiquei confusa com os...
Translated from PL to PT by Katarzyna Ulma Lechner
Written in PL by Urszula Jabłońska

Todos os bichos do campo

Como era habitual, naquela manhã acordou com fome. Os grasnidos dos patos que sobrevoavam o telhado ressoaram nas paredes do dormitório e a miúda sentou-se na cama. Os patos tinham chegado a casa da sua avó vindos de longe, talvez de outro continente, agitando as suas asas. De um dia para o outro, tinha deixado de ir à escola e mandaram-na para ali, com a sua avó, que vivia junto a um lago, a quilómetros da aldeia mais próxima. Ela não interessava a ninguém. Os seus pais procuravam intimidade, ou estavam a trabalhar, lá na cidade, não sabia bem. Aquilo de que não duvidava era dos tremores do s...
Translated from ES to PT by Miguel Martins
Written in ES by Adriana Murad Konings